2. Origem da Criação do Dosvox
De acordo com o Histórico do DOSVOX, “Para entender melhor as razões pelas quais o
Dosvox foi criado, é preciso analisar um problema que ainda hoje persiste não apenas na UFRJ mas
em todas as universidades: poucos alunos cegos conseguem entrar no curso superior, e poucos
daqueles que entram conseguem concluilo”
[2].
O baixo índice de alunos com algum tipo de deficiência física formados no nível superior é
um problema que tem sua origem no ensino básico. De acordo com Lívia Oliveira [3], embora a
constituição brasileira de 1988 já previsse que todo cidadão brasileiro tem direito à educação, o fato
dos professores, em sua maioria, não reconhecerem o potencial em alunos deficientes e não estarem
preparados para educar tais alunos, impede que a educação básica a alunos portadores de algum tipo
de deficiência física seja feita de forma satisfatória. Um vez impedidos de terem acesso a uma
educação básica com nível semelhante ao dos demais alunos, os portadores de deficiência passam a
ter menos chances no vestibular.
Além dos problemas já normalmente enfrentados por deficientes físicos, existem algumas
dificuldades que são exclusivas dos deficientes visuais (DVs). Conforme revela Joyce Fernanda [4],
uma deficiente visual, “ser cego não é um suplício, mas também não é fácil”. Ela cita a alienação
como o principal problema, uma vez que atividades como ler um livro ou um jornal, assistir a um
documentário, são feitas por pessoas normovisuais (pessoas com visão normal). Mesmo a leitura em
Braille isola os DVs dos normovisuais, já que a maioria das pessoas normovisuais não sabem ler em
Braille. A falta de preparo dos normovisuais para com as pessoas cegas induz a falta de estímulo
destas para se envolverem com o que acontece a sua volta. Joyce lembra que o "cego, como todo
deficiente, precisa de estímulos, para que possa florescer e conhecer os limites exatos da sua
deficiência" [4].
Esta falta de preparo, ou preparo incompleto está: a) na educação básica, pois falta material
didático adaptado, como livros em Braille, apostilas em áudio e professores capacitados, bem como
de monitores capacitados para auxílio extraclasse;
b) no vestibular, pois as provas com frequência
não são apropriadas à realidade vivida pelos DVs, pelo fato de certas abordagens didáticas
dependerem exclusivamente da visão; e c) na própria universidade, já que a legislação que obriga as
universidades a estarem preparadas para receberem alunos com deficiências físicas surgiu apenas
em 2003, com a Portaria MEC No 3.284 [5], e vem sendo lentamente atendida pelas universidades.
Considerando o contexto no qual viviam os alunos DVs até o início dos anos 90 – em que o
material didático destes constituíase
basicamente de impressos em Braille e fitas de áudio com
textos lidos em voz alta e gravados por pessoas que enxergam – havia de fato uma enorme barreira
para o ingresso e permanência dos DVs nas escolas e universidades. Tal barreira, que até certo
ponto ainda persiste, diminuiu um pouco e era explicada por uma série de razões, algumas já
mencionadas acima.
Uma outra barreira relacionase
com a simbologia diferente dos alfabetos comum e em
Braille. Mesmo quando o DV tem equipamentos de uso individual para escrita Braille, o fato dele
ler e escrever em um sistema com simbologia diferente do alfabeto comum acaba dificultando sua
comunicação escrita com as pessoas normovisuais que os rodeiam, tais como os colegas de turma,
por exemplo, com os quais os cegos tem de fazer trabalhos em grupo, ou os professores, que irão
corrigir trabalhos e provas do aluno DV. Como Joyce nos conta, “tive um aluno que escreveu um
texto qualquer no Dosvox e pediu para imprimilo.
Depois, levouo
para uma pessoa que enxergava
e pediu para que ela o lesse. Ela o leu, e ele se emocionou. Sempre houvera uma barreira entre as
coisas que ele queria escrever e o fato das pessoas que enxergam não poderem ler” [4].
Por isso, antes de existir a tecnologia dos leitores de telas em português, os cegos tinham de
enfrentar a barreira da linguagem escrita com os normovisuais, pois somente outros cegos
entendiam o que era escrito (em Braille) pelos primeiros, impossibilitando o intercâmbio de textos
escritos com os segundos, sem a necessidade de mediadores e leitura em voz alta. Uma
consequência negativa do uso do Braille é a dependência dos DVs em relação aos “ajudantes”, pois
aumentase
a demanda de mão de obra para atender aos cegos, que costuma ser escassa. Joyce
explica: “As pessoas que ficariam ocupadas usando a máquina (são necessárias duas: uma que
enxerga, para ditar, e uma cega, para datilografar), podem nos ajudar a entender os conteúdos. Não
foram poucas às vezes em que eu e meus amigos ficamos sem assistência em alguma matéria,
porque o professor tinha que datilografar ou ajudar a datilografar algum assunto importante para nós
mesmos ou para algum companheiro de escola” [4]. Este problema poderia ser minimizado se
houvesse na escola pessoas que enxergassem e também soubessem Braille. Assim, seria necessária
apenas uma pessoa, e não de duas, como Joyce explica acima, para datilografar em Braille o que ela
própria lesse nos originais em tinta.